Fazer a América era o sonho dos imigrantes italianos, dos quais sou descendente, no início do século passado. Hoje, início do século 21, dá para dizer que o sonho dos brasileiros, descendentes ou não de imigrantes, é o de comprar a América.
Não acredita? Veja o que diz recente reportagem de "The New York Times":
"Os brasileiros estão visitando o sul da Flórida em massa e gastando milhões de dólares em condomínios de férias, roupas, jóias, móveis, carros e arte, itens, todos, que são muito menos caros do que no Brasil".
Números: só a American Airlines tem 52 voos por semana para Miami, partindo de cinco cidades brasileiras, e está pedindo mais rotas. Dá, portanto, mais de sete voos a cada dia, número superior às ligações aereas entre, digamos, São Paulo e Manaus ou Fortaleza.
Nos primeiros nove meses deste ano, estima-se que 1,1 milhão de brasileiros gastaram US$ 1,6 bilhão na Flórida, um aumento de 60% na comparação com 2010.
A atração da Flórida não é nova para brasileiros. A classe média sempre teve Miami como seu parque de diversões preferido. Depois, elegeu a cidade como seu shopping center mais querido. A novidade agora é a compra em massa de imóveis, tema que a revista "IstoÉ" já abordara no início do ano, em reportagem ilustrada pelas fotos aqui reproduzidas.
A explicação é fácil: o real brasileiro valorizou-se 25% ante o dólar, nos últimos dez anos, o que torna toda compra em dólares comparativamente mais barata.
É o que disse ao New York Times Claudio Coppola di Todaro, investidor em hedge funds, que acaba de comprar um condomínio em Miami e outro em Nova York. "Viemos a Miami para investir porque em meu país os imóveis são muito caros", informou.
Há outro motivo para transformar Miami em um imã poderoso: a segurança. No Brasil, a violência é um sério problema em todas as cidades grandes e médias, exatamente aquelas em que se concentra a riqueza.
Já em Miami, novos e velhos ricos "podem usar relógios caros e dirigir carros conversíveis, e ninguém vai cortar seu braço por uma peça de joalheria", disse Alexandre Piquet, advogado de uma imobiliária da família.
Mas, atenção, não pense que todos os brasileiros fizeram de Miami seu paraíso. Continua sendo território reservado aos mais ricos, de que dá prova o fato de que os visitantes de 2010 (1,2 milhão) gastaram cada um, em média, US$ 4.940.
Quem ganha salário-mínimo (equivalente hoje a US$ 288) poderia viver 17 meses com que os mais ricos torram em temporadas relativamente curtas na Flórida.
É apenas uma amostra mais da obscena desigualdade de renda que marca o Brasil, por mais que a propaganda oficial diga que ela está diminuindo.
Há quem tema que esse boom imobiliário brasileiro nos Estados Unidos acabe implodindo. Igor Cornelsen, especialista em investimentos, afirma já ter visto esse filme antes. "Na próxima crise cambial [ou seja, uma valorização do dólar], a manutenção desses apartamentos e o custo dos respectivos condomínios ficam proibitivos. As passagens de avião para toda a família também, e todos estes imóveis serão liquidados com prejuízo".
Cornelsen lembra que, entre 1994 e 1998, "os brasileiros compraram imóveis em Miami, mas, entre 1999 e 2003, foram obrigados a vender com prejuízo".
Emenda: "Todo este desperdício de capital poderia estar desenvolvendo o litoral do nordeste e dando empregos para brasileiros.
Moeda valorizada tem um custo terrível em termos de desenvolvimento e de empregos de qualidade".